terça-feira, 1 de julho de 2008

do sim e do não...

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O SIM

MEIO –DIA

Ao meio-dia a vida
é impossível.

a luz destrói os segredos:
a luz é crua contra os olhos
ácida para o espírito.

a luz é demais para os homens,
(porém como o saberias
quando vieste a luz
de ti mesmo?)

Meio-dia! Meio-dia!
A vida é lúcida e impossível.
Orides Fontela


Todos temos segredos. Penso: é necessário revelá-los todos? É nisso que o poema de Orides Fontela faz pensar. Faz pensar também nos segredos sob a luz do sol e do conhecimento. Do auto-conhecimento. Gosto de poemas que fazem pensar e que jogam com palavras. O uso quase natural das palavras. Uma certa fluidez. Todo poema tem que ter uma certa fluidez. São esses poemas-água que eu adoro. Orides faz muito bem isso. Utiliza até de referências não explícitas como por exemplo, sobre o Mito da Caverna de Platão quando diz “porém como o saberias quando vieste a luz de ti mesmo?”. Como que se aqueles homens que saíram da caverna tivessem exposto seus segredos a luz. Gosto dessas interferências de pensamento como se o poeta estivesse apontando outra direção, outra idéia do texto.
E eu gosto da forma. Das frases cortadas de propósito atravessando o poema.
Obriga os olhos a dançarem pelo texto.
Obriga o pensamento a juntar as palavras, juntar idéias.
Gosto de Orides e da forma que ela escreve. E dos significados que ela descreve. E da poesia que ela faz.


O NÃO

ALVA

A bailarina escapou da caixinha, nem lembrou da despedida.
Parecia feita de talco, não fosse o giro tão vago, nas varredelas do ar.
Fugiu em surdina. Pelo ralo, pela pia, pelo olhar da fechadura.
Teria sido manso orvalho, não fosse a estrela descalça, tinha o cadarço nas mãos.
A bailarina se foi, lenço algum no corredor.
Virou vento, garça aflita, verso branco, sem final.
Rosana Picollo

Do chamado gênero raro no Brasil, o “poema em prosa” de Rosana Picollo me faz lembrar uma imagem do nada. Nada de texto. Nada de conteúdo. Nada de nada.O que dizer de uma bailarina fugindo na tentativa de construir uma imagem de ausência? Ausência de quê meu deus! Que imagem de quê? Não dá pra entender. Me parecem aqueles poetas que querem algum destaque em construir poemas “diferenciados” e “consistentes” com linguagem inovadora e moderna. Mas tem limites, não é? O moderno e o inusitado também tem que ser sensível, compreensível e reconhecível a quem lê. A não ser que a intenção do poeta seja mesmo de não querer ser entendido e assim dá-se isso como entendido e ponto final.
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