quarta-feira, 29 de junho de 2016

das engrenagens...

.
"eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim"

Cogito - Torquato Neto
.


































amor
veloz
engrena-te
ao
vê-lo
..........................................................

pluricária:
urticária
de
plural
sou de muito
sou de pouco
sou de economizar
em tempo de crise
até na palavra
..........................................................

"mesmo sem querer fala em verso
quem fala a partir da emoção"
João Cabral de Melo Neto

mesmo sem querer
falo em faltas
e falhas que
incomodam
mesmo sem querer
exponho vergonhas
em cada poema
que
escondo
..........................................................

quando perto
da morte
já não vou lembrar
de amor
nenhum
porque todos eles
já foram vividos
já foram tentados
e ocupados pelo meu coração
até a exaustão
absoluta
quando perto da morte
quero ter a sorte
de um amor só
vindo de mim
mesmo
feito
alma
..........................................................

passei tão perto
da memória
que me cansei
dela
e
esqueci
..........................................................

nudezas
cotidianas
me tiram do sério:
pura inveja!
queria eu
andar
nu
..........................................................

nos meus olhos
tudo falta
(neblina)
fiquei assim
a ver navios
com poucos
faróis
..........................................................

os relógios
insanos
tem preguiça
das horas
os ponteiros
marcam
surtos
..........................................................

o dia acaba
quando a hora
amadurece
meio
dia
é
folha
verde
pela noite
é onde se colhem
frutos
as flores voltam
pelas
manhãs
..........................................................

"Deus existir
ou não: o mesmo
escândalo."

Teologia II
Orides Fontela
..........................................................

não creia em tudo coração
não creia em tudo
esquece a voz
o encanto
que qualquer um esconde
assim tão disfarçado
a falsidade num manto
dourado
não creia nessa única estrela
que brilha
da face desconfia qualquer
choro
toma cuidado e foge do horizonte
a que te arrasta a beleza
para qualquer canto
esquece coração
tenha coragem
diante das palavras
e ditos
falsos
assim falo ao coração covarde
mas ele
coitado
sempre distraído
sempre me responde:
agora é tarde!
..........................................................

por toda minha vida
meu coração
busca algo
que eu não posso
nomear
..........................................................

preocupações
tento escrever
poemas leves
mas eles saem
carrancudos
e pesados
a palavra nem sempre
é bem-vinda
..........................................................

vida sem saída
e invertida
porque não
divertida?
..........................................................

a cidade
atravessada
por uma Avenida
zomba de mim
os prédios
carcaças
avançam em números
do começo
ao seu fim
muita gente
muita gente
muita gente
e eu nos desvios
esquerdos
e cegos
me ocorre
o pânico
que só se acalma
em linha reta
..........................................................

lição de poesia*

poema nenhum
está acabado
disse certo poeta
se pode sem fim
continuá-lo
primeiro
ao além de outro poema
que
feito a partir de tal
forma
tem na tela
do computador
oculta
uma porta
que dá a um corredor
que leva a outras
e muitas outras
portas

*adaptado de João Cabral de Melo Neto
..........................................................

os dias claros
me ofuscam
competem
com os meus olhos
as sombras me afagam
é onde me protejo
do medo
da
luz
..........................................................

olha-te
ou
engana-te
engrena-te
ou
engana-te
..........................................................

Nenhum comentário: