terça-feira, 31 de dezembro de 2013

das batalhas...

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"De súbito, estalló la guerra. Se abrió como una bomba de azúcar
arriba de las calas. Primero, creíamos que era un juego;
después, vimos que la cosa era siniestra. El aire quedó
ligeramente envenenado. Se desprendían los murciélagos
desde sus escondites, sus cuevas ocultas caían a los platos,
como rosas, como ratones que volvieran del infinito,
todavía, con las alas.
Por protegerlos de algún modo, enumerábamos los seres y las cosas:
"Las lechugas, los reptiles comestibles, las tacitas...".
Pero ya los arados se habían vuelto aviones; cada uno tenía
calavera y tenía alas, y ronroneaba cerca de las nubes. Al alcance
de las manos pasaron los batallones al galope, al paso. Se prolongó
la aurora quieta, y al mediodía, el sol se partió; uno fue hacia el este,
el otro hacia el oeste. Como si el abuelo y la abuela se divorciaran.
De esto ya hace mucho, aquella vez, cuando estalló la guerra,
arriba de las calas."
Marosa Di Giorgio
(sugestão bem-vinda de Mariano Raffaelli)
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foto de Marcella Haddad

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tudo
termina sempre assim com a morte
ou algo parecido ou perto
mas primeiro existe a vida
debaixo de um monte de palavras e coisas:
está tudo enterrado entre conversas e sussurros
silêncios e sentimentos
emoções e medos
e os insignificantes e inconstantes 
lampejos raros de beleza

depois a miséria desgarrada
e os homens miseráveis
tudo enterrado de novo sob a capa 
desse embaraço de se estar no mundo
debaixo de um monte de palavras e coisas

o outro lado é o outro lado
e eu ainda não vivo do outro lado
portanto,
que este romance continue
pois tudo no fundo
é apenas uma ilusão

sim, uma ilusão...


adaptado de A Grande Beleza - Julio Carvalho
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aprendendo a adestrar a minha solidão
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ele é poeta
ele é estranho
ele é cheio de silêncios
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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

dos vaga-lumes...

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casa ilhada, vegetação leve
floresta quase abstrata
onde o vento alisa, tonteia
o verde, rodopia o homem
os homens
atrás dos espelhos, os vidros
os galhos atuam 
devidamente tortos
devidamente os sonhos
dos outros
Julio Carvalho
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foto de Marcos Bowie

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dúvida

ontem o vaga-lume
era um hífen
uma luz na noite 
sem separação
era o tempo sem nenhum ponteiro 
porque o ponteiro do relógio é um hífen 
sem traço de reparação
- do tempo nada se separa não
o tempo e o vaga-lume
são aquelas coisas que às vezes brilham
sem explicação
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sábado, 28 de dezembro de 2013

das belezas...

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"a beleza não é tudo e a verdade sucumbe a ilusão"
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pesadelo
Fernando Schubach - Julio Carvalho - PatLau 
Prod DU BROWN
BEAT: EVERTON BEAT MAKER

pesadelo em vez de insônia
vigília da infância 
no escuro da fronha
que sonha
que sonha e baba
sorri e desaba
abafa a mentira 
que a verdade conta
aponta o dedo na ferida
que sangram as notas
que se esgotam 
aceite o convite
faço um brinde
de vinho tinto
vasto, opaco
com doses de orvalho
das noites obscuras
de poesias que surtam
da minha loucura
a mente é nua

por isso revólver:
se houverem perdas
que sejam sem surpresas
tem dias em que amanhecer me dói
quem inventou esse dia 
e me deixou perdido dentro dele?
abrindo pausas para o silêncio passar
(ter vida e errar não é defeito)
e pra amenizar o peso
escrevo
pra suportar o peso do que escrevo
dou um trago profundo 
e jogo pro mundo
palavras que escrevi
no escuro

no escuro do meu quarto alagado de rima
e foi nele que encontrei a minha sina
nossos crimes regados com água benta
não ouso assassinar
no frio
em tempos de carne
seca
não há dor
que se parta ao meio
a faca encravada no peito 
é maior
quando o abandono
é o crime
de fato

sai do buraco
o inesperado
o desespero do outro
não está errado
não há encontro no medo
e os perdidos fazem disso brinquedo
de alto gume cortante
um assalto ambulante
um precipício
onde tudo recomeça
desde o início

a carta infinita 
a letra que não se acaba 
a indigestão
a sugestão 
o incômodo
a remissão

a culpa

o cigarro
o cinzeiro
a fumaça
e o tempo que não passa

nunca

a lata de lixo 
o jogo
o mosquito
o cisco
o ouvido
o ruído 
o cansaço

a moleza 
o vício da tristeza 
a dor de um só lado 
o medicamento 
o líquido 
o excremento 
a saliva no travesseiro
a dor o tempo inteiro

a indisposição 
o esforço 
a falta de espaço
o vômito no pescoço 
a falta de encosto
a voz rouca dos gritos da vizinha louca
a janela 
o prédio
a noite 
o dia 
a noite 
o dia 
a noite 
o dia 
anote o dia

tudo é sempre
tudo é sempre o mesmo 
a correria
a diferença
a indiferença
a crença 
a descrença
do querer

poder querer não é poder 
o poder dos outros 
o poder dos gostos
o poder sem gosto
o gosto do desgosto
o oposto do amor 
o asilo
o isolamento 
o lento arrastar das horas onde nada se gosta
tudo demora agora e ainda mesmo agora as infinitas cartas sem resposta...
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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

das maresias...

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"para todas as pessoas de palavra 
existem os homens de poesia"
Julio Carvalho
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mar míope - foto de Fernando Schubach



dos mares o menor

mar é som escuro
o mar é míope
mar é um poema que nunca termina
cada mar tem sua sina
sua onda
sua rota submarina
do mar só sei que sou
do mar que me viro em água
só sei que me viro em onda
em  escarpas, atóis e areia
do mar não me viro em nada
do mar não se escapa
e cada mar é uma vida
inteira
para ser mar
não tem hora
cada mar se 
revigora
na orla
para ser  mar
eu me viro
eu me remo
agora
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a partir de hoje convido todos os homens e mulheres a inventarem palavras 
para traduzir sentimentos que não estão nos dicionários. 
e que desse modo todos os dias passem a existir a céu aberto
e possam ser criadas novas palavras para velhos ou novos sentimentos, 
pois, felizmente, há muita coisa que não se pode explicar assim...tão facilmente.

Adaptado do final do livro "Saudade - Um Conto Para Sete Dias" de Claudio Hochman
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das natividades...


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"eu: estou bêbado e tenho direito de amar todo mundo
outro: tem o direito de amar também quando estiver sóbrio
Bjo gde e Feliz Natal!!"
melhor Feliz Natal #ever - via Diego Vicentin
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angels in america by Erwin Olaf

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reflexo

sou prata e exato
não tenho preconceitos
tudo o que vejo me serve e sorvo
tal qual é:
sem nódoas de amor ou desgosto
não sou cruel, sou sincero –
enquanto o ódio, não alimento
pelo menos tento

sylvia plath & julio carvalho remix
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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

das naturezas...

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"mas os poemas repetidamente
respondem que somos
aquilo em que nos perdemos
ao buscarmos encontrar
o que acreditamos ser."
Alberto Pucheu  in: Mais Cotidiano que o Cotidiano. 

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solstício

cada vez mais livre
fluido
sem jogos
a palavra pura
(meu solsticio)
ontem eram mais jogos
agora  mais solto 
e com menos ritmo
mais transparente 
pelo cansaço dos jogos
agora o texto é uma segunda pele
um início de verão
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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

das releituras...

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"As palavras entram pelo ouvido, aparecem ante os olhos, 
desaparecem na contemplação. 
Toda leitura de um poema tende a provocar o silêncio.

Cada leitor é outro poeta; cada poema, outro poema.

Em perpétua mudança, a poesia não avança.

O falso poeta fala de si mesmo, quase sempre em nome dos outros. 
O verdadeiro poeta fala com os outros ao falar consigo mesmo.

A página em branco ou coberta apenas com sinais de pontuação 
é como uma  gaiola sem pássaro. 
A verdadeira obra aberta é aquela que fecha  a porta: ao abri-la, 
o leitor deixa escapar o pássaro, o poema.

Abrir o poema em busca disto e encontrar aquilo - sempre outa coisa.

Aberto ou fechado, o poema exige a abolição do poeta que o escreve 
e o nascimento do poeta que o lê.

Ouvir-se: ir-se. Para onde?

A poesia nasce pelo desespero pela impotência da palavra 
e culmina no reconhecimento da onipotência do silêncio.
O poema é a passagem entre um silêncio e outro 
- entre o querer dizer e o calar que funde querer e dizer.

Apaixonado pelo silêncio, o poeta não tem outro recurso senão falar."

O Arco e a Lira - Octavio Paz
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detalhe do quadro de Paulo Vieira

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minha poesia vai muito além da criação e da surpresa
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lato sensu


estou me policiando ante a rudeza

dos acontecimentos 
para não ser rude igual

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prefiro o brechó ao blasé
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tem segundas com terças intenções...
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sem sorte
em direção ao norte
próximo atalho
quando a bússola 
vira um porre

Julio Carvalho e Fernando Schubach
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três escolhas e um alvo dos textos de Fernando Schubach:

poesia
pesadelo
na mesma sacola

o passado é uma obra
o passado é uma dobra
obradobra
cobra

mar é som escuro
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domingo, 22 de dezembro de 2013

das cintilâncias...

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"Porque há desejo em mim, 
é tudo cintilância."
Hilda Hilst
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não sou encantado:
por isso o gênio ruim
no excesso de realidades
o meu faz de conta
é a dúvida
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atravessaram meu sinal
estou em 
vermelho
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eu quero ser antes de valer
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a conquista do inútil:
eu tive perdas
e enganos
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fato:
talvez o fogo seja fátuo
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eu sinto um deserto na pele
uma sede de outro corpo
(breve oásis de lembranças)
uma miragem
na palma das mãos
amor ouro líquido
do outro
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tudo em mim é tão amador
que qualquer palavra 
soa alarme falso
então escuto
com a reserva dos cegos
- aqui é onde os olhos não entram
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quem me passou para trás 
está sendo atropelado lá na frente
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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

dos importunados...

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"meu coração
bate sem saber
que meu peito é uma porta
que ninguém vai atender"
Arnaldo Antunes
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a fala se mistura quando a gente menos espera
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sim som
sim som
palavra é tom
é dom
que não é moet chandon
pra patricinha beber
quem só quer 
não tem poder de controlar
sua bebida 
sua sede
sua sorte
o seu porte
quem se importe
com o que se diz?
cada um é dono do seu nariz
quem vai querer?

Fernando Schubach & Julio Carvalho
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o passado é uma obra
de dois gumes
o passado é uma obra
que te cobra
(se quiser)
o passado é uma culpa
sem desculpa
atirada no ventilador
quem se livra ou se perde
do passado se repete
o passado se remete à culpa
ou confete
a sina do passado
só a vida
ensina
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